Sem tempo não existimos. Nada se vive e se faz sem tempo. Ele habita-nos por dentro e por entre as nossas vidas. Há muitos tempos, tantos quanto os diferentes olhares sobre o mundo.
A forma mais antiga de ter a perceção do tempo foi a de olhar para o sol, enquanto ele se cruzava nos céus, e compreender as sombras. Um tempo-luz orientador como aquele que é desenhado pelo nosso desejo.
Antes ainda do relógio de areia ou do silencioso e iluminador relógio de fogo, surgiu o relógio de água ou clepsidra como a segunda criação da humanidade para medir o tempo. Clepsidra, é também uma obra poética de Camilo Pessanha, onde podemos encontrar um olhar de quem quer viajar para um além-tempo. Um tempo que se desvanece em águas passadas, em que a temporalidade resulta na permanente desilusão de que a morte é o escopo de tudo.
Ainda nesta obra entre “a escuta do correr da água”, podemos ver metáforas para o tempo que se vive como se ele fosse um “ladrão das águas”. Klep do grego é um roubo e hydra é a água ou a serpente de muitas cabeças, que mora num pântano. Clepsidra pode, por isto, colocar-nos perante a ideia da fragilidade humana nos tempos.
A pressão da água do relógio clepsidra influenciava a precisão do tempo. Há, de facto, toda uma subjetividade do tempo que também pode ser influenciada pela pressão para vivê-lo, pelo medo, pelo desejo, pelo entusiasmo ou pelas ausências. Neste sentido, o tempo, na sua dimensão intangível, será mais de clepsidra do que relógio moderno.
Neste “correr das águas”, o gato rouba muitas horas ao tempo para dormir. Subtil, move-se vagaroso. É enigmático como o tempo futuro, sensível como o tempo subjectivo que nos habita, ora desapressado, ora fugaz como o tempo-memória e também é, em parte, ritualizado como o tempo-relógio moderno.
Um ser de silêncios, o gato é afetivo, caviloso e de mistérios infindáveis, como a vida. Como os tempos que não conhecemos: alguns do passado e os vindouros.
Ladrão do tempo, este felino é independente, delicado e guardião de sonhos, daqueles que transcendem as horas, os dias e as noites e que não olham a relógios. Descobrir e desfrutar a companhia do gato pode ser como arriscar-se a explorar o que não se conhece e a aceitar que nem sempre o outro nos consegue dar o que se precisa ou deseja. Que nem sempre conseguimos dar o que o outro espera. Que é tempo de embarcarmos nas águas com a coragem de vivermos a surpresa e de lidarmos com o que nos pode frustrar. Que podemos ter sempre tempo, mas que também não o devemos dilapidar. E que, quer os encontros, quer os desencontros são matéria prima infindável para a vida e para todos os sonhos.
Entre o que não cessa e o que não surge, existe a espera. Na espera vive-se um tempo memória que desenha um tempo futuro. O tempo presente vai bosquejando um futuro. “Quem espera sempre alcança” e vive nessa esperança.
Há pessoas que contam os minutos para o que desejam que chegue, suspendendo parte do resto das suas vidas. Outras vão conseguindo viver, cruzando os vários tempos num compasso de ritmos entre a espera e o desfrutar do que já existe, no presente. Algumas podem ainda sucumbir ao medo que têm perante o que pode nunca chegar, desistindo. Ou ao medo que existe daquilo que o tempo pode trazer.
É o tempo-memória que vai possibilitando o desejo do encontro e da criação. São memórias afetivas suficientemente boas, de tempos em que valeu a pena viver e esperar, que nos permitem sacudir dos olhos o tempo perdido, continuar a sonhar e mergulhar no olhar sobre a nossa própria verdade do tempo.
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