Desencontros de Natal
- Por João Lorenzo
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- 27 dez., 2019
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Não se pretende, de todo, com este breve artigo de opinião fazer uma crítica à quadra natalícia. O título é meramente descritivo. Mas se no final da sua leitura sentir que se identifica com algum dos aspectos abordados, poderá porventura colocar a hipótese de realizar um processo psicoterapêutico.
Chega o mês de Dezembro no calendário e o Natal perspectiva-se no nosso horizonte como uma inevitabilidade. Ele instala-se abruptamente nas nossas vidas, através da rádio, televisão, nas ruas por onde circulamos, nos nossos empregos, em todos os contextos sociais em que nos movemos. Se para algumas pessoas esta época corresponde a um período especial do ano, alegremente antecipado e aguardado, com expectativas e vivências positivas, para outras, é um período difícil de ser vivido, em que cresce a ansiedade e a depressividade, podendo inclusive surgirem manifestações de sofrimento psicológico mais intensas.
Simbolicamente, o Natal remete para a união e reunião familiar em que se pressupõe a existência de elos de vinculação afectivos fortemente investidos e estabelecidos entre os seus membros. Neste período, mais do que outro em particular, pensa-se inevitavelmente na família: Tenho família? Como é a minha família? Que tipo de relação tenho com as pessoas da minha família? É prazerosa ou não o é? Gosto desta ou daquela pessoa? Questões que emergem com força neste período do ano, às quais temos dificuldade de escapar. Acontece que em muitas situações não existem, são parcos ou perderam-se os elos de união familiar por múltiplos motivos.
É comum na prática clínica, por exemplo, ouvir crianças e adolescentes filhos de pais separados/divorciados e que vivem permanentemente em litígio, dizerem-nos, que deixaram de gostar do Natal por todos os conflitos a ele associados ou que preferiam nem ter férias, por se sentirem imersos em conflitos de lealdade que os fazem acreditar que por gostar de estar com um dos pais significa deixar de gostar do outro. Ouvem os adultos nesta quadra falarem de amor, partilha e união, quando o que verificam no seio da sua intimidade familiar é precisamente o contrário. Este exemplo também é comum na prática clínica com adultos que porventura terão vivido situações semelhantes durante a infância. Surge o Natal e é necessário haver um esforço para partilhar a quadra com as famílias dos cônjuges de forma harmoniosa, algo que para muitos, devido à natureza das relações estabelecidas, é impossível de concretizar impelindo-os a vivenciarem “divididos” esta época. Outra situação particularmente difícil de ser vivida pode ocorrer quando há o falecimento de um ente querido, tal acontecimento requer uma reorganização do conceito de família e o respectivo luto, algo que não se verifica em muitas pessoas, com situações semelhantes “enquistadas” no seu funcionamento mental e que perturbam a natureza das suas relações durante anos.
Muitas pessoas sofrem de facto com mais intensidade nesta quadra. A “magia” do Natal não é vivida por elas (como podia?), sentem-se estranhas, incompreendidas nas suas vivências internas e à margem, uma vez que é suposto brotar felicidade nesta altura do ano, tal como algumas pessoas à volta e os media impõem, esperando que o mês de Dezembro termine depressa.
Gostaria de terminar, afirmando que estas vivências poderão ser trabalhadas e transformadas em algo mais positivo e de colocar a seguinte questão: Será que o problema está realmente no Natal ou no que se está a passar nos outros dias do ano?
João Lorenzo,
Psicólogo Clínico e formando em Psicoterapia Psicanalítica