Blog Post

ERRAR É PRECISO

  • Por COMPLETAMENTE
  • 14 out., 2022

Texto por Patricia Santos, Investigadoraem Sociologia, sócia-fundadora do Atelier 3 – eu, nós e o mundo

Ver os nossos pequenos a passarem por dificuldades não é fácil. Queremos ajudá-los a superar os obstáculos e evitar a todo o custo que o erro gere um sentimento de frustração. Quantas vezes dizemos: “não é assim”, “deixa que eu ajudo”, “faz desta maneira que é mais

rápido”. Não damos tempo às crianças. Não damos tempo nem espaço para as crianças errarem.

Quantas vezes já ouvi o meu filho dizer “não consigo” e dou comigo a pensar porque é que diz que não consegue antes sequer de tentar... Mas se à primeira tentativa a criança receber imediatamente a nossa ajuda é evidente que começa a entender que não é necessário esforçar-se.

Dizer-me “não consigo” é também ter medo de errar, é ter medo de “não ser bom o suficiente”. Um medo tão entranhado.

A minha - a nossa – tentação de controlar, de ter “a certeza”, de pedir “a perfeição” induz a pensar que a perfeição é só uma, que só existe uma certeza. Sabemos tão bem que não é assim.

Brené Brown (2012) fala da “coragem de ser imperfeito”. Errar permite-nos entender e respeitar a imperfeição (a nossa e a dos outros). É um tipo de coragem esquecido que precisamos de promover nas nossas famílias, nas nossas escolas.

Errar é também uma fonte infindável de aprendizagens. Leva à aplicação de conhecimento de novas formas e de formas empolgantes. O estudo de Brown et al. (2016) sugere isso mesmo: as crianças e jovens devem ser incentivados a usar os seus erros como oportunidades de aprendizagem, mesmo em contextos escolares. Estes investigadores deram aos alunos de um curso de física problemas idênticos no exame intermediário e no final, mas no exame intermédio apenas metade dos alunos foi incentivado a reflectir e corrigir os seus erros.

Os alunos que tiveram tal incentivo também tiveram um desempenho significativamente melhor no exame final. Os erros permitiram-lhes descobrir o que não funcionava e porque não funcionava.

Aliás, o erro faz parte do processo natural de aprendizagem.

Quantas vezes cai uma criança até conseguir correr (com tamanha rapidez)?

A aprendizagem acontece em qualquer interacção da criança com o meio envolvente. Uma brincadeira, um jogo ou uma rotina são formas de aprender, situações em que a criança vai errar... diversas vezes.

Contudo, sem liberdade, as crianças não falham, tampouco aprendem. E em muitos contextos, quase todos os dias, a liberdade de escolher caminhos e tomar decisões, a liberdade de tentar e de errar, a liberdade de sair da zona de conforto é estrangulada. O segredo é que, enquanto nós podemos levar as crianças a desistir, a curiosidade faz com que continuem a tentar.

As crianças prestam atenção ao momento e ao lugar presente, num prazer de observar e de explorar, tão aguçado pela curiosidade natural. Tal exploração leva, muitas vezes, a soluções criativas. Não se traduzem necessariamente num ato grandioso, numa bela pintura ou numa ideia que vai mudar o mundo. Podem ser soluções criativas para situações de todos os dias que se encarregam de propiciar desafios, questões e problemas, novas experiências e oportunidades para serem criativos. A vida das crianças é assim. Todos os dias experienciam algo novo e travam novas batalhas.

Bem sei que dizer é fácil. (Eu própria ainda estou a tentar digerir e valorizar os meus erros e os do meu filho).

Mas o que realmente podemos fazer quando as crianças erram? O primeiro passo é contrariar aquilo que aprendemos em pequenos e que continua a soar nos nossos ouvidos, coração e mente:

  •  Errar NÃO é mau.
  •  Errar é natural.
  • Quem erra  está simplesmente a aprender.

Em segundo lugar, a criança é parte da solução. Cada criança tem o seu ritmo. Ao invés de apressarmos as suas conquistas, o ideal é deixar as crianças tentarem.

Ser paciente e estar atento são as melhores formas de fazer com que o ar que as crianças respiram seja livre de pressão e de urgência. Há uns dias atrás o meu filho estava a sentir-se frustrado a desenhar a cara do pirata, não estava como ele desejava. Pediu-me para ser eu a desenhá-la. Eu respondi-lhe que podia ver o quanto ele se estava a esforçar e que ia dar-lhe toda a minha atenção. Ele deu-me um sorriso e... continuou.

Basicamente, confie. Ao invés de fazer, crie as condições para que as crianças possam

realizar as suas ações, possam tomar as suas decisões, estando elas certas ou não (ou melhor, as suas decisões estejam de acordo com o que acreditamos ser o certo ou não). Podemos depois festejar como conseguiram sozinhos e como conseguimos mostrar-lhes que acreditamos e confiamos nelas. As crianças sentem as nossas emoções e intenções, assim confiar nelas como seres capazes, únicos e em crescimento é o apoio mais valioso que podemos dar. Se eu tivesse mostrado ao meu filho de três anos de idade como fazer o puzzle novo teria perdido o momento em que olhou para mim, de olhos iluminados, e gritou: “Consegui!”.

Paulo Freire dizia-nos que os erros são “formas provisórias de saber”. Maria Montessori adotava uma atitude simpática e considerava o erro um companheiro com uma finalidade. Agora só falto eu, nós, entendermos e consciencializarmo-nos de que errar é preciso.

Share by: